Socorro espiritual(LIVRO DE ANDRE LUIZ)
-Precisa voltar mais cedo aos serviços? -Indagou
Alexandre, assim que tomávamos à via pública.
-Posso dispor de mais tempo -respondi. Meu interesse era
enorme na continuidade das instruções. Alexandre possuía vastíssimas
experiências médicas. Minhas aquisições nesse terreno, em comparação com as
dele, representavam conhecimentos pálidos.
-Tenho ainda hoje uma assembléia de esclarecimentos a
irmãos encarnados -continuou o orientador -e se você puder comparecer, teremos
satisfação.
-Como não? Estou aprendendo e não devo perder a
oportunidade.
Saímos.
As entidades perturbadas mantinham-se à porta, dando a
idéia de alguém à espera de brecha para entrar.
Porque Alexandre prosseguia na palestra edificante,
seguíamos, quase passo a passo, como quando na Crosta.
Estávamos nos primeiros minutos da madrugada. Os
transeuntes desencarnados eram numerosíssimos. A maioria, de natureza inferior,
trajava roupa escura, mas, de espaço a espaço, éramos defrontados por grupos
luminosos que passavam, céleres, em serviços cuja importância se adivinhava.
-Há sempre quefazeres urgentes, no auxílio oportuno aos
nossos irmãos da Crosta -comentou o instrutor, com afabilidade e doçura -e, na
maior parte das vezes, é mais eficiente o nosso concurso à noite, quando os
raios solares diretos não desintegram certos recursos de nossa cooperação...
Não havia terminado, quando se acercou de nós,
inesperadamente, uma velhinha simpática.
-Justina, minha irmã, que o Senhor a abençoe! -saudou-a o
orientador, gentil.
A entidade amiga, que demonstrava muita inquietude no
olhar, respondeu com afetuoso respeito e explicou-se:
-Alexandre, tenho necessidade de seu auxílio urgente e
vim ao seu encontro. Desculpe-me.
E, antes que o instrutor pudesse sondar-lhe verbalmente a
aflição, a interlocutora prosseguiu:
-Meu filho Antônio encontra-se em estado gravíssimo...
Agora era Alexandre que a interrompia:
-Adivinho o que se passa. Quando o visitei, no mês findo,
notei-lhe as perturbações circulatórias.
-Sim, sim -continuou a mãe aflita. -Antônio vive no
círculo de pensamentos muito desregrados, apesar do bom coração. E hoje trouxe
para o leito de repouso tantas preocupações descabidas, tanta angústia
desnecessária, que as suas criações mentais se transformaram em verdadeiras
torturas. Embalde, auxiliei-o com os meus humildes recursos; infelizmente, é
tão grande o seu desequilíbrio interior, que toda a minha colaboração resultou
inútil, permanecendo-lhe o cérebro sob a ameaça dum derramamento mortífero.
E sentindo a gravidade do minuto, acrescentou, triste:
-Ó Alexandre, bem sei que devemos subordinar nossos
desejos aos desígnios de Deus. Entretanto, meu filho necessita de mais alguns
dias na Terra. Creio que, em dois meses, conseguirei dele, indiretamente, a
solução de todos os problemas que lhe afetam a paz da família. Sua autoridade
pode auxiliar-nos! Seu coração edificado em Cristo permanece em condições de
fazer-nos semelhante bem!...
Reconhecendo a urgência do assunto, exclamou o
orientador:
-A caminho! Não temos um segundo a perder!
Daí a poucos instantes, penetramos na residência
confortável. A velhinha, aflita, conduzíu-nos a uma alcova espaçosa, onde o
filho, chefe da casa, repousava metido em alvos lençóis, dando-me a impressão
característica dum moribundo.
Antônio parecia próximo dos setenta anos e exibia todos
os sinais do arterioesclerótico adiantado.
O quadro era agora profundamente educativo para mim, que
entrara num círculo valioso de observações novas.
Identificava perfeitamente o estado pré-agônico, em todas
as suas expressões físico-espirituais. A alma confusa, inconsciente,
movimentava-se com dificuldade, quase que totalmente exteriorizada, junto do
corpo imóvel, a respirar dificilmente.
Enquanto Alexandre se inclinava paternalmente sobre ele,
observei que estávamos diante de uma trombose perigosíssima, por localizar-se
numa das artérias que irrigam o córtex motor do cérebro. A apoplexia não se
fizera esperar. Mais alguns instantes e a vítima estaria desencarnada.
Alexandre, que centralizara todas as atenções no enfermo,
tocou-lhe o cérebro perispiritual e falou com autoridade serena:
-Antônio, mantenha-se vigilante! Nosso auxílio pede a sua
cooperação!
O moribundo, desligado parcialmente do corpo, abriu os
olhos fora do invólucro de carne, dando a entender vagas noções de consciência,
e o instrutor prosseguiu:
-Você foi acidentado pelos próprios pensamentos em
conflito injustificável. Suas preocupações excessivas criaram-lhe elementos de
desorganização cerebral. Intensifique o desejo de retomar as células físicas,
enquanto nos preparamos a fim de ajudá-lo. Este momento é decisivo para as suas
necessidades.
O interpelado não respondeu, mas observei que Antônio
compreendera a advertência, no imo das forças da consciência, colocando-se em
boa posição para colaborar em favor de si mesmo.
Em seguida, o orientador iniciou complicadas operações
magnéticas, no corpo inanimado, ministrando energias novas à espinha dorsal.
Decorridos alguns instantes, colocou a destra ao longo do fígado e, mais tarde,
demorando-a no cérebro físico, bem à altura da zona motora, chamou-me e disse:
-André, mantenha-se em prece, cooperando conosco. Convocarei alguns irmãos em
serviço, nesta noite, para auxiliar-nos.
E acentuou, após meditar por alguns segundos: -o grupo do
Irmão Francisco não pode estar longe.
Dito isto, Alexandre assumiu atitude de profunda
concentração de pensamento.
Não passou mais dum minuto e pequena expedição de oito
entidades, quatro companheiros e quatro irmãs, penetrou o recinto doméstico, em
religioso silêncio.
Saudamo-nos todos, ligeiramente, e o instrutor
dirigiu-se, atencioso, à entidade que guardava atribuições de chefia.
-Francisco, precisamos aqui das emanações de algum dos
nossos amigos encarnados, cujo veículo material esteja agora em repouso
equilibrado. E ao passo que o novo irmão observava, cuidadoso, o agonizante,
Alexandre acrescentava:
-Conforme observa, estamos diante dum caso gravíssimo. É
preciso muito critério na escolha do doador de fluidos.
O dirigente dos socorristas pensou um momento e obtemperou:
-Temos um companheiro que nos atenderá razoavelmente.
Trata-se de Afonso. Enquanto vou buscá-lo, nosso grupo auxiliará sua ação
curativa, emitindo forças de colaboração magnética, através da prece.
Francisco ausentou-se imediatamente.
Nesse instante, a velhinha aproximou-se do instrutor e
falou, respeitosa:
-Se há necessidade de fluidos de irmãos encarnados, quem
sabe poderíamos empregar o concurso de minhas netas que repousam nos aposentos
próximos?
-Não -respondeu Alexandre, delicadamente -, não atenderiam
as exigências em curso. Precisamos de alguém suficientemente equilibrado no
campo mental.
A mãe inquieta afastou-se, enxugando os olhos. Atendendo
a sinal afetuoso do orientador, aproximei-me, observando o doente de mais
perto, mantendo-me embora na íntima atitude de oração.'
-Antônio é viúvo faz vinte anos -explicou Alexandre -e
está nas vésperas de vir ter conosco, no plano espiritual. Nosso amigo, porém,
necessita de mais alguns dias na esfera da Crosta para deixar alguns problemas
sérios devidamente solucionados. O Senhor nos concederá a satisfação de
colaborar no reerguimento provisório de suas forças. E fosse porque me detinha
a observar o grupo de entidades que oravam, silenciosas, ou em razão de
pretender beneficiar-me com novos ensinamentos, o instrutor esclareceu:
-Temos aqui o grupo do Irmão Francisco. Trata-se de uma
das inumeráveis turmas de serviço que nos prestam cooperação. Muitos
companheiros consagram-se aos trabalhos dessa natureza, mormente à noite,
quando as nossas atividades de auxílio podem ser mais intensas.
Verdadeiro mundo de interrogações assomava-me ao cérebro,
a fim de solucionar as questões do momento; contudo, compreendendo a gravidade
dos minutos, em face da tarefa para a qual fôramos chamados, resolvi silenciar.
Não decorreu muito tempo e Francisco voltava seguido de
alguém. Tratava-se do companheiro encarnado a que Alexandre se referira.
Não houve oportunidade para saudações. O orientador,
tomando-lhe a destra, conduziu-o imediatamente à cabeceira do moribundo,
dizendo-lhe com autoridade afetuosa:
-Afonso, não temos um segundo a perder. Coloque ambas as
mãos na fronte do enfermo e conserve-se em oração.
O interpelado não pestanejou. Dando-me a impressão dum
veterano em semelhantes serviços de assistência, parecia sumamente
despreocupado de todos nós, fixando-se tão somente na obrigação a cumprir.
Foi então que vi Alexandre funcionar como verdadeiro
magnetizador. Recordando meus antigos trabalhos médicos nos casos extremos de
transfusão de sangue, via-lhe perfeitamente o esforço de transferir vigorosos
fluidos de Afonso para o organismo de Antônio, já moribundo.
Na qualidade de discípulo, acentuando minhas faculdades
de análise, junto de preciosa lição, observei que o semblante do enfermo
transformava-se gradualmente. À medida que o instrutor movimentava as mãos
sobre o cérebro de Antônio, este revelava sinais crescentes de melhoras.
Verificava, sob forte assombro, que a sua forma perispiritual reunia-se
devagarzinho à forma física, integrando-se, harmoniosamente, uma com a outra,
como se estivessem, de novo, em processo de reajustamento, célula por célula.
Depois de um quarto de hora, segundo meu cálculo de
tempo, estava finda a laboriosa intervenção magnética e Alexandre, chamando a
velhinha, acentuou:
-Justina, o coágulo acaba de ser reabsorvido e
conseguimos socorrer a artéria com os nossos recursos, mas Antônio terá, no
máximo, cinco meses a mais, de permanência na Terra. Se você pleiteou o auxílio
de agora para ajudá-lo a resolver negócios urgentes, não perca as oportunidades,
porque os reparos deste instante não perdurarão por mais de cento e cinqüenta
dias. E não se esqueça de preveni-lo, pelos processos intuitivos ao nosso
alcance, quanto ao cuidado que deverá manter consigo mesmo no terreno das
preocupações excessivas, mormente à noite, quando ocorrem os fenômenos
desastrosos mais sérios de circulação, em vista da invigilância de muitas
pessoas que se valem das horas sagradas do repouso físico para a criação de
fantasmas cruéis, no campo vivo do pensamento. Se o nosso amigo despreocupar-se
da autocorrigenda, talvez desencarne antes dos cinco meses. Toda a cautela é
indispensável.
A genitora agradeceu, comovida, em lágrimas de
contentamento.
Alexandre recomendou ao «socorrista» encarnado que
retirasse as mãos de sobre a fronte do enfermo e vi, então, o inesperado. O
doente grave, reintegrado nas funções orgânicas, com a harmonia possível, abriu
os olhos físicos, como se estivesse profundamente embriagado, e começou a
gritar estentoricamente:
-Socorro! Socorro!... Acudam-me por amor de Deus! Eu
morro, eu morro!...
Algumas jovens acorreram, espantadas e trêmulas, em
roupas brancas, percebendo-se que as filhas carinhosas e sensíveis vinham
atender ao pai ansioso.
-Papai! Papai! -exclamavam, lacrimosas-que foi isto?
-Estou morrendo! -clamava o enfermo, em voz pungente
-chamem o médico... Depressa!
-Mas que sente, papai? -perguntou uma delas, em pranto
convulso.
-Sinto-me morrer, tenho a cabeça tonta, incapaz de
raciocinar...
Grande era a azáfama dos encarnados que passavam por nós
em bulha indescritível, atropelando-se uns aos outros, sem o mais leve traço de
consciência a respeito da nossa presença ali.
Alexandre solicitou ao Irmão Francisco fornecesse
instruções a Afonso para que este regressasse ao lar e, depois da providência,
dispôs-se a retirar e disse-me sorrindo, diante da estranheza que a atitude
alarmante das moças me causava:
-Geralmente, quando os nossos amigos encarnados gritam,
chorosos, por socorro, nosso serviço de assistência já se encontra completo.
Partamos
O doente, semilúcido, prosseguia inquieto, enquanto o
telefone tilintava, cooperando para a imediata visita do médico.
A velhinha despediu-se de nós, comovedoramente,
permanecendo junto do enfermo, velando, devotada e humilde.
Na via pública, pedi ao instrutor me pusesse em contacto
mais íntimo com o Irmão Francisco, que nos acompanhava, solícito.
Alexandre, afável como sempre, atendeu-me aos desejos.
-Nossa pequena expedição -esclareceu o chefe do
agrupamento, depois de trocar comigo palavras muito cordiais -é uma das
inumeráveis turmas de socorro que colaboram nos círculos da Crosta. Somos
milhares de servidores, nessas condições, ligados a diversas regiões
espirituais mais elevadas.
-Seu núcleo -perguntei -procede de nossa colônia?
-Sim. E temos nossas atividades entrelaçadas com as
tarefas de vários instrutores de Nosso Lar.
-E há tarefas especializadas para cada grupo dessa
natureza?
-Perfeitamente. O nosso, por exemplo - acentuou
Francisco, gentil -, destina-se ao reconforto de doentes graves e agonizantes.
De modo geral, as condições de luta para os enfermos são mais difíceis à noite.
Os raios solares, nas horas diurnas, destroem grande parte das criações mentais
inferiores dos doentes em estado melindroso, não acontecendo o mesmo à noite,
quando o magnetismo lunar favorece as criações de qual quer espécie, boas ou
más. Em vista disso, o nosso esforço há de ser vigilante. Quase ninguém no
círculo de nossos irmãos encarnados conhece a extensão de nossas tarefas de
socorro. Permanecem eles num campo de vibrações muito diferentes das nossas e
não podem apreender ou discriminar nosso auxílio. Isto, porém, não importa.
Outros benfeitores, muito mais elevados que aqueles dos quais podemos guardar
conhecimento direto, velam por nós e inspiram-nos, devotadamente, no campo das
obrigações comuns, sem que vejamos a sua forma de expressão nos trabalhos
referentes aos divinos desígnios. E talvez porque eu sorrisse, admirando-lhe o:
ideal de renúncia serena e santificante, o interlocutor também sorriu e
acrescentou:
-Sim, meu amigo, reclamar compreensão e resultado de
criaturas e situações, ainda incapacitadas para no-los dar, constitui exigência
mais cruel que a solicitação de recompensas imediatas.
Era bem a verdade convincente. Mantinha-se o Irmão
Francisco dentro da lógica mais elevada.
Os que auxiliam alguém, interessados no reconhecimento ou
na compensação, quase sempre permanecem de olhos cerrados para o concurso
divino e invisível que de Mais Alto recebem. Exigem que outros lhes
identifiquem a posição de benfeitores, mas nunca se recordam de que amigos
sábios e desvelados lhes oferecem a melhor cooperação de planos superiores, sem
deles reclamarem a mínima nota de gratidão pessoal.
-São muitos os irmãos afins -continuou o meu
interlocutor, interrompendo-me as reflexões íntimas -que se reúnem, depois da
morte do corpo, em tarefas de amparo fraternal, quando já alcançaram os
primeiros degraus da escada de purificação. Do que me é possível ajuizar,
semelhantes trabalhos são dos mais eficientes e dignos em favor dos homens.
Raramente os companheiros encarnados, quando em excelentes condições de saúde
física, podem compreender as aflições dos enfermos em posição desesperadora ou
dos moribundos prestes a partir. Nós outros, porém, no quadro de realidades
mais fortes, sabemos que, muitas vezes, é possível efetuar realizações deveras
sublimes, de natureza espiritual, em poucos dias, nessas circunstâncias, depois
de largos anos de atividades inúteis. No leito da morte, as criaturas são mais
humanas e mais dóceis. Dir-se-ia que a moléstia intransigente enfraquece os
instintos mais baixos, atenua as labaredas mais vivas das paixões inferiores,
desanimaliza a alma, abrindo-lhe, em torno, interstícios abençoados por onde
penetra infinita luz. E a dor vai derrubando as pesadas muralhas da
indiferença, do egoísmo cristalizado e do amor-próprio excessivo. Então, é
possível o grande entendimento. Lições admiráveis felicitam a criatura que,
palidamente embora, percebe a grandeza da herança divina. Acentua-se-lhe o
heroísmo e gravam-se-lhe no coração, para sempre, mensagens vivas de amor e
sabedoria. Na noite espessa da agonia começa a brilhar a aurora da vida eterna.
E aos seus clarões indistintos, nossos princípios são facilmente aceitos, a
sensibilidade demonstra características sublimes e a luz imortal lança fontes
de infinito poder nos recessos do espírito.
O interlocutor fez longa pausa e rematou:
-Desse modo, conseguimos efetuar um serviço de
assistência eficaz, carreando novos valores no campo da fraternidade e do bem
legítimo. Nunca observou a paciência inesperada de doentes graves, a calma de
certos enfermos incuráveis e a suprema conformação da maioria dos moribundos?
Muitas vezes, semelhantes edificações, incompreensíveis para os encarnados que
os cercam, constituem o fruto do esforço de nossos grupos itinerantes de
socorro.
Francisco enunciara sublimes verdades. De fato, a
serenidade dos enfermos em condição desesperadora e a resignação inexplicável
dos agonizantes, absolutamente distanciados da fé religiosa, não poderiam
guardar outra origem. A bondade divina é infinita e, em todos os lugares, há
sempre generosas manifestações da Providência Paternal de Deus, confortando os
tristes, acalmando os desesperados, socorrendo os ignorantes e abençoando os
infelizes
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